Já ouviu falar em toxoplasmose? O nome, indigesto, descreve uma das zoonoses (doenças transmitidas por animais) mais comuns. Trata-se de uma infecção causada por um protozoário, o Toxoplasma gondii, encontrado nas fezes de gatos e outros felinos.
Os bichanos são hospedeiros definitivos do parasita, mas não costumam apresentar sintomas graves. No entanto, a história é diferente para humanos e outros animais, incluindo os cães.
Ao contrair a doença por via oral (ingestão de água ou alimentos contaminados ou mesmo o consumo de carne crua ou mal cozida com a presença de oocistos), por via sanguínea (através de uma transfusão ou transplantes de órgãos) ou por via transplacentária (transmissão da mãe para o feto), nós e nossos amigos caninos podemos sofrer complicações.
Assim como nas pessoas, a toxoplasmose pode se manifestar nos cães de variadas maneiras e em diferentes graus. Na maioria das vezes, os sintomas são geralmente leves, parecidos com os da gripe.
O problema é que o parasita pode permanecer silencioso no organismo por muitos anos, sem qualquer manifestação clínica. Quando o sistema imunológico está enfraquecido, pela velhice ou por outras doenças (síndromes de imunodeficiência), os sintomas podem ser mais sérios – entre eles febre, dor de cabeça, inflamação cerebral e do aparelho locomotor com confusão mental e falta de coordenação, pneumonia, miocardite e coriorretinite.
“O parasita pode se alojar, na forma de cistos, em tecidos como o muscular, o hepático, o pulmonar e o ocular”, detalha Adalberto von Ancken, médico-veterinário e mestre em bem-estar animal. “Dessa forma, pode ocasionar infecções em órgãos, transtornos visuais e até convulsões, caso acometa o cérebro”.
Em cadelas gestantes, a toxoplasmose pode provocar abortos ou sequelas para os filhotes, como deficiência visual, anormalidades motoras, surdez e microcefalia.
De acordo com von Ancken, a toxoplasmose é uma doença desconhecida por muitos clínicos e de diagnóstico difícil, sendo imprescindível seu diagnóstico diferencial. Convulsões são sempre mais associadas a fatores como má-formação congênita, epilepsia idiopática, acidente vascular cerebral, traumatismos e intoxicações. Já um aborto poderia ser atribuído à brucelose, por exemplo.
Também complica o fato de exames de fezes não serem conclusivos. A sorologia pode indicar uma infecção recente, mas tem que ser associada aos sintomas pelo clínico. “A detecção do parasita intracelular seria um diagnóstico definitivo, porém não é usual e poucos patologistas de laboratórios particulares saberiam fazer essa identificação”, comenta o profissional. “Infelizmente muitos diagnósticos apenas podem ser fechados após o óbito, como no caso de encefalites causadas pelo toxoplasma”.
Os tratamentos devem ser direcionados ao quadro clínico específico, como nas possíveis inflamações causadas pelos cistos. “Não há drogas potentes e com alta eficácia para serem fornecidas de forma sistêmica e que matem os cistos. O ideal seria um sistema imunológico constantemente saudável e ativo, o que é impossível com o passar dos anos”, explica von Ancken. A clindamicina costuma ser a droga de escolha. Derivados de sulfa também podem ser utilizados, porém a toxicidade destas drogas em felinos é alta.
Para afastar o risco da doença, os tutores devem evitar fornecer carne crua ou mal passada para seus pets (contrariando dietas atualmente em evidência), assim como frutas, legumes e verduras mal lavados.
Os oocistos do toxoplasma presentes nas fezes dos gatos têm vida curta no ambiente (em torno de 24 horas) caso não obtenham condições adequadas para esporular. Caso o façam, podem durar meses e alcançar cursos d’água ou serem transportados por insetos, contaminando alimentos e utensílios domésticos.
O especialista ressalta que a grande maioria dos gatos domésticos não transmite toxoplasmose, como algumas pessoas podem pensar. Mas higiene é a palavra primordial nos ambientes em que os pets são criados, sejam eles somente felinos ou cães e gatos convivendo. “Além da limpeza regular, a caixa de areia do gato pode receber a cada 15 dias uma lavagem com água fervente e produtos à base de amônia quaternária”, recomenda von Ancken.
Uma gestante que nunca teve contato com felinos e que possua uma sorologia negativa para a toxoplasmose não deve ser a responsável pela manutenção da caixa de areia. E, por último, mas não menos importante, a visita ao veterinário é fundamental para orientações como alimentação, vermifugação e outros cuidados com nossos melhores amigos.
Estima-se que 60% a 80% dos humanos adquirem toxoplasmose ao longo de suas vidas, mesmo sem desenvolver sintomas graves. “Não existem dados sobre a incidência em cães, mas pela grande proximidade desses animais conosco, poderíamos considerar uma porcentagem similar”, afirma von Ancken.
Segundo o médico-veterinário, a toxoplasmose é uma enfermidade perigosa. Mas, curiosamente, é conveniente que nós e nossos bichos tenhamos contato com o parasita em algum momento da vida, para adquirirmos defesa imunológica. “A ausência total de anticorpos pode abrir caminho para uma infecção mais crítica”, esclarece von Ancken.